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Natura Algarve

Hidrogeologia do Algarve central

01.03.2008 // Natura Algarve

Por Carlos Alberto da Costa Almeida

O Algarve, mercê de clima privilegiado, desenvolveu-se notavelmente nas últimas décadas. A economia da província assenta fundamentalmente na indústria turística e na agricultura.
Este desenvolvimento só foi possível pela existência de águas subterrâneas, cuja exploração permitiu a expansão extraordinária das culturas de regadio e tornou possível uma intensa ocupação urbana na zona litoral.
A importância das águas subterrâneas, em termos económicos e humanos, pode ser aquilatada comparando o desenvolvimento do Barrocal algarvio com o que apresentava poucos anos atrás. A charneca alternando com a cultura da alfarrobeira e da amendoeira, foi substituída por vastos pomares de citrinos, por hortas ou por estufas onde se cultivam as novidades.
O Algarve testemunha assim, a importância das águas subterrâneas na vida duma região.
Um recurso tão fundamental como a água deve ser devidamente conhecido para que se saiba com o que contar e para que a sua gestão e protecção se possa fazer correctamente. Tal só é possível com o conhecimento tão completo, quanto possível, dos aquíferos. De facto, a exploração incontrolada das águas subterrâneas pode conduzir a situações de rotura, com consequências imprevisíveis, pondo em causa a viabilidade de empreendimentos, com todas as implicações económicas e sociais daí decorrentes.

Conhecem-se bem os perigos fundamentais da exploração incontrolada dos aquíferos:

  • Esgotamento das reservas hídricas. Alguns aquíferos do Algarve estão sujeitos a regimes de sobre exploração denunciados pela descida continua dos níveis piezométricos;
  1. Invasão progressiva dos aquíferos pelas águas do mar, em regiões costeiras. Essa invasão resulta igualmente de sobre exploração, pois a posição da interface água doce - água salgada é controlada pelos níveis piezométricos da primeira. Além da invasão generalizada pela água salgada, podem dar-se casos de salgamento de captações devido à formação de empolamentos da interface, sob aquelas;
  • Modificações da qualidade da água devido às actividades agrícolas. Elas são devidas fundamentalmente à irrigação, que aumenta o conteúdo salino das águas, em consequência da concentração dos sais no solo e do posterior arraste pelas águas infiltradas, sobretudo grave em regiões de evapotranspiração intensa, como o Algarve, e introduz nos aquíferos substâncias poluentes (pesticidas, etc.) ou aumenta até níveis incomportáveis o teor de certos iões como o NO3-, o SO42-, etc. Casos de aumentos preocupantes foram já detectados, sobretudo na região de Faro (Silva e Almeida, 1983).

Contribuir para o conhecimento da hidrogeologia algarvia foi o objectivo de uma das linhas de investigação do projecto “Recursos geológicos de Portugal”, que se insere no conjunto de projectos de investigação do Centro de Geologia da Universidade de Lisboa, subsidiados pelo INIC. O referido projecto é dirigido pelo Prof. Doutor Carlos Romariz a quem se deve, fundamentalmente, um conjunto de acções que permitiu a consecução do objectivo proposto, materializada em diversos trabalhos publicados, ou em publicação, nos quais o presente se inclui. Desses trabalhos destaca-se a primeira dissertação de doutoramento, sobre tema de hidrogeologia, realizada em Portugal (Silva, M. O., 1984).
A região que constitui objecto de estudo do presente trabalho situa-se no Algarve Central e coincide aproximadamente com a bacia hidrográfica da Ribeira de Quarteira.
A área estudada corresponde aproximadamente a 600 km2 e está coberta pelas folhas 587, 588, 596, 597, 598, 605 e 606 da Carta Militar de Portugal, na escala 1/25 000, editada pelos Serviços Cartográficos do Exército.

A região inclui grande variedade de aspectos geológicos, hidrogeológicos e geomorfológicos. A Norte encontra-se a Serra algarvia, constituída por xistos e grauvaques carbónicos. É uma região de relevo movimentado, com agricultura escassa, dada a pobreza do solo e a ausência de águas subterrâneas.
A parte central é ocupada pelo Barrocal, região constituída essencialmente por rochas carbonatadas jurássicas. É uma região de relevo relativamente suave, fortemente condicionado pela tectónica. As colinas calcárias estão cobertas, em grande parte, por vegetação mediterrânica onde se inclui o medronheiro (Arbutus unedo L.), o carrasco (Quercus coccifera L.), o lentisco (Pistacia lentiscus L.), a palmeira anã (Chamaerops humilis L.), o tomilho (Thymus vulgaris L.), as estevas (Cistus sp.), lado a lado com a alfarrobeira, a oliveira, a amendoeira, etc.
As depressões cársicas, cobertas por terra rossa, são objecto de agricultura intensiva, em que as culturas de sequeiro têm vindo a ceder o lugar a culturas de regadio, graças ao recurso cada vez mais generalizado à captação de águas subterrâneas.
Para Sul, o Barrocal dá lugar ao Algarve litoral, região aplanada, cuja altitude não ultrapassa, em geral, os cento e poucos metros.

Esta região é ocupada, em grande parte, por rochas terciárias, destacando-se as rochas carbonatadas miocénicas e os depósitos detríticos pliocénicos. A ocupação humana é intensa pois é nessa região que se concentram as infraestruturas turísticas e a agricultura desenvolvida. É, pois, uma região de grandes consumos de água, que não cessam de aumentar.
O objectivo do presente trabalho foi definir e caracterizar as diversas unidades hidrogeológicas presentes na região referida.
Procurou-se fazer a caracterização das unidades hidrogeológicas em termos de geometria, características hidráulicas, características hidroquímicas das águas e funcionamento.
Começou-se por estabelecer uma escala litostratigráfica adequada aos objectivos propostos e elaborar cartografia, baseada naquela escala. De facto, ao contrário do Algarve ocidental, cujo estudo já tinha sido objecto de uma dissertação que incluía cartografia geológica, na escala 1/50 000 (Rocha, 1976), não existia cobertura geológica apropriada a estudos de hidrogeologia no Algarve central e oriental. Também a bibliografia geológica regional é muito escassa.

O inventário de pontos de água, foi muitas vezes uma tarefa frustrante, dado o desconhecimento frequente, por parte dos proprietários, das características dos terrenos atravessados pelas sondagens, dos caudais extraídos, etc.. Assim, grande acervo de informações, foi perdido por falta de estruturas e legislação adequadas. A situação conheceu uma melhoria nos últimos anos graças à obrigatoriedade de licenciamento das novas captações, mas a falta de relatórios geológicos de sondagens mantém-se, perdendo-se assim inúmeras informações.

Na caracterização hidráulica das unidades hidrogeológicas recorreu-se, fundamentalmente, a ensaios de caudal e ao estudo da propagação das flutuações de maré nos aquíferos. Também esta tarefa esbarrou com inúmeras dificuldades, dada a raridade de locais apropriados para a sua execução, em condições minimamente aceitáveis.
A caracterização hidroquímica das águas subterrâneas foi efectuada com base em amostragem colhida em várias épocas, abrangendo todas as unidades definidas.
Nesta fase dos estudos apenas se recorreu à determinação dos elementos maiores e de alguns parâmetros físico-químicos.

No entanto, deram-se os primeiros passos no sentido de caracterizar a distribuição de alguns oligoelementos.
A caracterização das unidades hidrogeológicas em termos de funcionamento, baseou-se fundamentalmente no estudo da piezometria. Este permite definir as condições de fluxo, a reacção dos aquíferos aos estímulos exteriores, contribuindo, igualmente, para caracterizar o tipo de relações entre as unidades hidrogeológicas.

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